A melhor trilha que não fizemos
epois de conversarmos muito com Ale (dono do hostel e que também gosta muito de trekking) e com Gabi (nosso amigo argentino) decidimos que a última trilha seria a Sierra Valdivieso, porém faríamos um circuito diferente do convencional.
Nós começaríamos pelo final do circuito tradicional, iríamos subir as cinco lagunas e retornar pelo mesmo caminho, enquanto o circuito tradicional inicia mais a frente na Ruta 3, contorna a serra, desce as lagunas e finaliza no ponto onde começamos.
Minha expectativa para essa trilha era muito alta mesmo, todos que conheciam falavam muito bem, que a paisagem era linda demais. Ao mesmo tempo falavam que era um trekking bem puxado e que a trilha não era demarcada, ou seja, quem quer que fosse fazê-la, teria que se preparar bem.
Um dos motivos pra escolhermos esse circuito alternativo era porque tínhamos pouco tempo, enquanto o tradicional era feito em cinco dias, nós só tínhamos três dias disponíveis e seria relativamente mais fácil, mas não foi bem assim…
Acordamos na terça com chuva e, mesmo assim, seguimos com o plano e torcendo pro tempo melhorar. Acabou que até arrumarmos todas as coisas e ter uma condição razoável pra partirmos nos atrasamos um pouco. Como não podíamos perder mais tempo, ao invés de esperar uma carona ou um ônibus, pegamos um táxi, opção rápida e cara, nos custou ARS 150,00 (Aprox. R$35,00) para chegar ao início da trilha.
Começamos a caminhada na entrada de uma propriedade particular onde um senhor muito gentil veio nos receber e confirmou que o caminho era por ali mesmo, mas ficou meio espantado por estarmos fazendo o circuito ao contrário. Comentou que várias pessoas fizeram a trilha nos últimos dias e que deveria estar razoavelmente bem marcada.
No início da caminhada enfrentamos uma chuva leve, como ainda não temos calças impermeáveis sentimos um pouco, mas por enquanto estava tranquilo. Seguimos por uma trilha bem aberta no início até cruzarmos uma segunda porteira, dali pra frente o caminho se fecha um pouco, mas ainda tinha uma direção bem visível e batia com o que estávamos vendo no GPS do celular.
Caminhamos por umas quatro horas até chegarmos em um ponto mais crítico onde a trilha se encerrou e tivemos que seguir um trecho pela turba, tipo de vegetação daqui que parece um pântano, mas com uma espécie de grama por cima que engana muito, parece fácil, mas te atola até o joelho se deres bobeira.
Nesse ponto já tínhamos ensopado as botas e as calças e estava ficando bem desconfortável seguir em frente. Tentamos entender porque diabos as botas haviam molhado tanto, pois são impermeáveis e em nenhum momento tivemos água acima do tornozelo, até agora não entendemos, mas teremos que ver isso, pois há poucas coisas que são piores no trekking do que ter os pés molhados em um clima frio como aqui.
Nesse momento eu já estava meio abalado psicologicamente, o fato de termos iniciado tarde, não conseguirmos progredir em uma velocidade boa, o clima não estar favorável, estar numa condição física ruim. Tudo isso começou a me afetar mais do que eu imaginava, as coisas pareciam estar fugindo do meu controle, e isso para o egocêntrico Diego é algo inconcebível. Bruna inclusive me perguntou se estava tudo bem, eu meio que tentei disfarçar e disse que sim.
Depois desse trecho de turba entramos novamente na floresta, mas desse ponto em diante simplesmente não havia nenhuma trilha demarcada, nem mesmo os caminhos que havíamos salvado no celular batiam com alguma coisa. Nesse momento decidimos parar pra almoçar e essa talvez foi nossa pior (ou melhor) decisão.
Quando paramos nossos corpos esfriaram e nem mesmo com o almoço tão desejado consegui me sentir bem. Tudo estava muito desconfortável e eu sentia um frio absurdo nos pés e mãos, nos pés praticamente no nível de dor. Nesse momento comecei a sentir medo. Medo de ter que enfrentar esse desconforto por tanto tempo e até mesmo de que ele aumentasse.
Começamos a conversar sobre o que faríamos: se seguiríamos, se acamparíamos ou se começávamos a retornar. E tenho que dizer que fui vencido pelo medo. Repare que digo fui, pois enquanto eu estava cogitando o que fazer e reclamando do frio intenso, Bruna estava mais tranquila, estava com frio, claro, mas estava com tudo sobre controle.
Falei que deveríamos voltar, ela concordou e logo depois do almoço começamos a fazer o caminho de volta. Enquanto caminhávamos rumo à “segurança” eu fui recuperando minha sanidade mental. O frio absurdo começou a passar pois o corpo foi aquecendo enquanto nos exercitávamos e eu comecei a pensar se havia mesmo tomado a decisão certa.
Eu queria muito fazer a trilha, muito mesmo. Eu tinha em mente que essa seria o melhor trekking que faríamos aqui e ainda assim decidi voltar, repare o quão abalado eu deveria estar no momento da decisão. Enquanto voltávamos conversamos sobre o ocorrido, sobre meu breve momento de desespero, sobre o exercício de desapego que seria deixar de lado a suposta melhor trilha do local, sobre minha briga com meu ego e muitas outras coisas.
Retornamos até um ponto bom para acampar e ali ficamos por duas noites, no mesmo local, muito confortáveis e sem caminhadas longas. Ainda fazia frio, mas estamos bem equipados com relação a camping e o local era realmente muito bom, protegido do vento e próximo de água, então o conforto estava garantido. Passamos dois dias preguiçosos e para compensar o pouco esforço físico discutimos muito o que significaria aquela experiência pra gente.
Fizemos o caminho de volta muito contentes com tudo o que havia acontecido, apesar dos pesares havia sido uma bela trilha e um excelente aprendizado.
Quando chegamos a Ruta 3 o vento estava de cortar, em todos os nossos 22 dias aqui nunca havíamos enfrentado um tão forte e ainda tínhamos alguns quilômetros até o primeiro ponto de ônibus, contra aquele vento não seria uma tarefa fácil, mas não tínhamos outra opção então seguimos. Sempre tentando carona, claro, mas nossa sorte não andava muito boa nesse ponto.
Mas eis que surge uma Kombi verde no horizonte pra mudar essa situação. Com placas de Manaus, a Kombi era dirigida por um cara gente boníssima chamado Douglas. Sim, fomos salvos do vento cortante de Ushuaia por uma Kombi dirigida por um brasileiro com o mesmo nome do meu irmão. Se isso não é sorte, me desculpe, mas eu não sei o que é.
Douglas vinha acompanhado de Rebecca, uma austríaca que adora fotografar pássaros e grafites. Estão viajando há quase sete meses. O caminho até o hostel foi fantástico, trocamos várias dicas sobre os locais que iríamos visitar e em cada cruzamento que parávamos a Kombi virava o centro das atenções. Quando chegamos não foi diferente, Marisa e Carla vieram nos receber na porta só pra conferir ela de perto.
Nos despedimos de Douglas e Rebecca, agradecemos por tudo novamente e fomos pegar nossas últimas coisas que haviam ficado no hostel. Conversamos com Carla e Ale e nos disseram que estavam preocupados conosco, descobrimos que os dois últimos dias haviam sido os mais frios desde que chegamos. Que além da chuva praticamente constante, nevou em diversos pontos e que a temperatura chegou a bater 2°C na cidade. No final das contas quase agradecemos por não termos enfrentado a montanha em condições tão adversas.
Eu poderia ter pirado sobre não ter conseguido fazer o trekking que mais queria, sobre ter tido um momento de medo gigante e sobre ter tomado uma decisão importante sem pensar direito. Ao invés disso, depois do ocorrido procurei manter a calma e procurei ao máximo aprender com o que tinha acontecido e tudo simplesmente pareceu correr a nosso favor. Talvez essa tenha mesmo sido a melhor trilha que (não) fizemos até agora.