Dois dias, duas cascatas

E

ra sexta-feira e não pretendíamos dormir no hostel naquele dia. Não fizemos reserva, queríamos economizar e intercalar a hospedagem com camping tem se mostrado uma das formas mais eficazes de fazer isso.

Mandamos uma mensagem para o Gabriel pedindo uma indicação de bom local para camping e sua resposta foi “Los busco em media hora”, mais uma vez ele surpreendia com sua atenção e prestabilidade. Nos buscou e nos levou até um ponto na saída da cidade, cerca de um quilômetro depois do posto policial, na Ruta 3. Havia um mapa na entrada da trilha, explicando como chegar à Cascada de los Amigos, Gabriel ainda nos deu algumas instruções para que não nos perdêssemos, pois a trilha tinha algumas bifurcações.

Nos despedimos e mais uma vez seguimos com nossas mochilas pelo rastro entre as flores amarelas que tanto vimos por aqui. O caminho era bem aberto e Gabriel havia dito que em certo momento passaríamos por uma castoreira, teríamos de cruzar um rio por uma ponte de troncos e seguir a trilha à esquerda. Encontramos o rio, mas não vimos a ponte, pensamos que poderia ter sido levada pelas águas, então atravessamos assim mesmo, pois havia muitos galhos derrubados pelos castores e passamos sem dificuldades, além do mais, podia-se ver que a trilha seguia por entre as árvores na margem oposta.

Caminhamos por mais de uma hora, chegamos a outro rio e começamos a pensar que o “desenho” do ambiente estava muito diferente do que tínhamos visto no mapa, não era para ter outro rio ali e a trilha deveria margear o anterior. Confusos, decidimos seguir um pouco por outra trilha mais à direita que tínhamos visto, mas logo percebemos que ela também não nos levaria a lugar algum. Por fim, bastante frustrados, decidimos voltar ao ponto onde atravessamos o rio e tentar encontrar outra trilha por ali.

Chegando ao rio avistamos duas mulheres à margem fazendo um lanche e pedimos se elas conheciam o caminho. Era a primeira vez que vinham, porém tinham a informação de que a trilha principal ainda seguia um pouco à frente, ou seja, não tínhamos de ter atravessado esse rio, interpretamos o caminho como mais curto do que realmente era.

Terminados os lanches, seguimos com elas. As duas eram amigas, já aposentadas que moravam em Ushuaia e simplesmente tiraram a tarde para passear na trilha. Eram super simpáticas, conheciam muito da região e nos contaram várias histórias interessantes.

Pois a trilha seguiu e a castoreira foi ficando cada vez maior, agora tínhamos certeza de estar passando pela correta. Que trilha linda! A castoreira era imponente, cercada por um pasto verde e amplo com vegetação rasteira e arbustos de calafate por todo o caminho. Montanhas nevadas emolduravam o campo e para a beleza ficar completa, o sol brilhava intensamente. Logo chegamos à ponte e dessa vez não havia dúvidas. Atravessamos, o caminho seguiu lindo, depois naturalmente foi adentrando o bosque e ficando íngreme, mas ainda com a trilha bem aberta. Depois a trilha foi fechando, até que a orientação começou a ficar mais difícil, porém sabíamos que seria sempre próximo ao rio, então mesmo que às vezes não encontrássemos a trilha propriamente dita, sempre estávamos no rumo certo. O caminho de fato era muito mais longo que aparentava no mapa desenhado no início da trilha, percebemos que sua escala estava completamente equivocada. A certa altura eu e o Diego decidimos deixar as mochilas, pois estávamos fazendo um esforço enorme com elas nas costas, sendo que o plano era acampar na base.

Chegamos em um ponto próximo a um riacho e avistamos uma cachoeira ao longe, não tínhamos certeza se era aquela e havia um caminho do outro lado do riacho. A trilha não previa atravessar mais rios por ali, mas era tão pequeno que poderia facilmente ter sido ignorado no mapa. Atravessamos e seguimos por mais uns 40 minutos, até que ficou ainda mais difícil encontrar as trilhas. Resolvemos voltar, já estávamos cansados, precisávamos almoçar e começamos a pensar que realmente a cachoeira devia ser a que avistamos e a trilha deveria seguir para cima, margeando o rio.

Voltamos ao rio, Diego e eu paramos para cozinhar e as nossas companheiras seguiram para cima, em direção à cachoeira. Quando estávamos terminando de comer, elas retornaram. Aquele era mesmo o caminho certo e chegaram à cascata, conversamos mais um pouco e nos despedimos. Nós, que já tínhamos esfriado o corpo e estávamos cansados, ficamos ali mais um pouco, observando-a de longe e depois descemos, estávamos satisfeitos até ali.

Chegamos ao campo e não foi difícil escolher um local, já que haviam vários pontos propícios para montar a barraca. Todo o lugar era cortado por um rio, então tínhamos água em abundância, os arbustos e algumas árvores faziam a proteção perfeita contra o vento e o terreno era plano, coberto por uma grama verdinha. Nossa única precaução foi encontrar um lugar livre de espinhos de calafate, para não correr o risco de furar a barraca. Passamos uma ótima noite ali, uma noite de meditação e contemplação, onde paramos um pouco para refletir nossa conexão com aquele lugar e com tudo o que está acontecendo com a gente.

Gabriel nos buscou no mesmo local que nos deixou próximo à entrada as 14:00h do dia seguinte. Juntaram-se a nós sua irmã Mayra e Marisa. O destino seria mais uma cachoeira, dessa vez a Cascada Submarino. A entrada era também uma via secundária da Ruta 3, porém um pouco mais adiante da do dia anterior. Entramos com a caminhonete à direita por uma estrada de terra, com grandes buracos, foi praticamente um rally! Paramos o carro à frente de um rio, atravessamos a pé por entre galhos e seguimos por uma estrada ampla de terra, depois entramos à esquerda, onde havia uma marca entre a vegetação.

A trilha já começava subindo e margeava um rio pequeno, com algumas mini cascatas. Fomos subindo em meio as árvores, chegando mais tarde a uma castoreira e a um campo aberto. Era sábado e havia muitas pessoas fazendo o caminho, quase todos locais. O engraçado era que em diversos pontos da trilha perguntamos a quem voltava quando tempo faltava para a cascata e todos diziam “quarenta minutos”. Acabou sendo a trilha dos quarenta minutos para nós! Por fim chegamos a um campo mais aberto, porém úmido, com vegetação até os joelhos. Dali já conseguíamos avistar a cachoeira. Chegamos, fizemos fotos. Era muito bonita, cerca de 20 metros de queda, com um pequeno poço azul abaixo. Havia também uma laguna mais acima, porém nos disseram que o caminho era bastante íngreme, entre pedras e já estava um pouco tarde, então desistimos da ideia. Estava um pouco frio ali perto então logo descemos.

Paramos a certa altura para tomar mate e conversar. Foi uma trilha muito gostosa de fazer, bem leve e acompanhada de um clima muito amistoso. Começamos a falar sobre as diferenças entre Brasil e Argentina, de costumes a palavras. Passamos o caminho brincando com algumas formas de dizer coisas diferentes. Os três tentavam pronunciar palavras como “linguicinha” e “chimarrão” e voltavam a lembrar de ambas durante o percurso. Além disso, queriam saber o que significavam algumas palavras que apareciam em músicas brasileiras, por exemplo em “Bate forte o tambor, eu quero o tique-tique-tique-tique-ta” queriam saber o que era tique-tique-ta e rimos muito ao dizer que a palavra na verdade não existia, assim como tche-tche-re-re-tche-tche ou ilarilarilariê. Por que os brasileiros colocam palavras que não existem em suas músicas? Boa pergunta argentinos!

Descendo a trilha ainda pudemos avistar alguns castores nadando e comendo, o Diego ficou muito feliz porque conseguiu filma-los de pertinho.

Voltamos ao carro e pedimos que eles nos deixassem em algum lugar próximo à cidade onde pudéssemos acampar, pois tínhamos reserva no hostel somente no domingo. Eis que no meio do caminho começa uma chuva forte, acompanhada de muito vento e Gabriel foi categórico: “No pueden acampar con este tiempo, no hay como armar la carpa, pasen la noche em nuestra casa”. Ficamos muito felizes com o convite e quando chegamos e encontramos um local com banheiro e calefação, foi um alívio para o corpo. Nessa noite ainda fomos jantar no El Turco, gastamos um pouco mais, mas a comida era deliciosa e provei o famoso Creme Brulé de sobremesa, um “regalo” depois de dois dias acampando.

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