De carona eu vou, pra onde você for

S

aímos de Puerto Deseado ainda sem acreditar muito no que tínhamos passado nos últimos dias. A hospitalidade de Andres com três pessoas que ele conheceu na beira da estrada surpreende até a nós que estamos nos acostumando a sermos bem recebidos por pessoas que acabamos de conhecer.

Depois de comprar alguns suprimentos no supermercado, como pão, biscoitos e macarrão, nos dirigíamos à saída da cidade para voltar a pedir carona, agora mais animados por estarmos em um lugar mais movimentado e com uma decisão tomada: não faríamos mais a Carretera Austral. Desistimos dessa parte importante da nossa viagem para não termos de passar novamente por um trecho pouco movimentado, correndo o risco de passar longos dias na estrada outra vez, assim iríamos direto para Esquel, na região dos lagos ainda na Argentina. Uma caminhonete logo nos levou mais adiante, onde havia um trevo de saída, lugar perfeito para conseguir falar com alguém que fosse para as cidades vizinhas.

Primeiro parou uma caminhonete que só tinha um lugar vago, lá se foi Laura (diferente de nós, ela ainda queria ir ao Chile). Diego e eu ficamos esperando por umas duas horas. Nessa região, o complicado de quando se está esperando carona é o frio que faz na beira da rodovia e o vento que sopra com vontade, porém isso só faz aumentar o valor que damos quando alguém pára e vamos confortáveis até o próximo ponto.

Uma van que carregava água parou e disse que nos levaria até um posto policial mais adiante, onde seria mais fácil nos levarem. Para nós tudo bem, aceitamos porque é sempre bom seguir em frente, o que não imaginávamos é que o próprio policial iria pedir carona pra gente. Isso mesmo! Chegamos ao posto e ele pediu que aguardássemos ao lado, no primeiro carro que passou ele abordou e pediu para onde ia e se podia nos levar, foram dois minutos, incrível!

Assim um casal muito simpático nos levou dali até Comodoro Rivadavia, o que foi ótimo porque não pensávamos que iríamos tão longe nesse dia. Passamos a viagem de cerca de quatro horas conversando muito sobre política, cultura e educação enquanto tomávamos mate. O tempo passou voando e por volta das 22:00h chegamos à maior cidade que vimos durante toda a viagem. De cara dava para perceber a diferença entre estar ali e estar em um povoado. As pessoas passavam mais depressa, os carros não nos notavam e as grandes mochilas agora pareciam nos deixar com ar de estranhos ao invés de nos aproximar das pessoas.

Perguntamos por hostels e campings, mas não havia, o único hostel que encontramos estava fechado. Saímos perguntando em todos os hotéis, mas os preços eram muito mais caros do que estávamos dispostos a pagar e como estamos ficando cada vez mais seletivos com relação aos custos, começamos a pensar em quais outras alternativas teríamos.

Surgiu a ideia de ir até o terminal de ônibus verificar os preços e ver como eram as instalações, em última instância, podíamos ficar por lá. Chegamos e o lugar nos agradou bastante, havia cadeiras livres e muitas pessoas com suas malas e mochilas, além disso, alguns escritórios estavam abertos e o local ainda contava com guardas e câmeras. Perfeito.

Perguntamos sobre o transporte, mas estavam todos lotados porque era véspera do feriado de páscoa e os preços também não eram muito atrativos. Nos acomodamos em duas cadeiras, colocamos as mochilas embaixo dos nossos pés e relaxamos. Diego cochilou e eu me mantive acordada, apesar de estarmos em local seguro, eu não conseguia dormir. Fiquei lendo e mexendo no celular, a internet lá também era muito boa e grátis, assim passei toda a noite sem dormir por um único momento, mas me sentia bem.

Pela manhã pegamos um ônibus circular (lotado a ponto das pessoas fazerem cara feia para as nossas mochilas que ocupavam um espaço considerável) até a saída da cidade. Ali foi muito rápido, na primeira vez que levantei o dedo um carro já parou, o Diego teve que me chamar porque eu já estava acenando para outros carros sem notar que o primeiro já tinha parado. O rapaz que nos levou iria apenas 100km mais adiante, mas já estava bom. “Pesquei” diversas vezes durante o percurso, o sono começava a bater forte. Ficamos em um posto de gasolina, onde compramos algo para comer e voltamos para a rodovia.

Dentro de uma hora pára uma caminhonete. Perguntamos se iam para Esquel e eles disseram: “Não, vamos para Coyhaique, no Chile”. Não podíamos acreditar, Coyhaique é o coração da Carretera Austral, justo o lugar que tínhamos desistido. Voltamos ao plano original e lá fomos nós, sabendo que já não mandamos em nada nessa viagem, apenas seguimos. A família que nos levou era muito animada e conversamos muito a viagem inteira, de forma que eu nem senti mais sono. O casal Laura e Marcelo e a mãe dele Cármen foram uma ótima companhia na viagem de cerca de quatro horas.

Quando chegamos à fronteira chilena, um problema. Como nem sonhávamos em passar a fronteira nesse dia, ainda tínhamos nas mochilas alguns frutos secos e tomates secos e esses itens, assim como os de origem animal, são proibidos de transportar de um país ao outro. Como nunca haviam nos revistado antes pensamos que não haveria problemas, porém nesse dia estavam olhando tudo, cada centímetro do carro, cada bolso das mochilas. Passamos um mau bocado, o policial apreendeu nossas frutas secas e ainda encontrou algumas plumas de avestruz que eu tinha ganhado de presente do Andres e nem lembrei que também são de origem animal. Ele falou: Plumas? Quieres pasar a fronteira com plumas? Eu só baixei a cabeça e disse que poderia jogar fora. Que papelão, contrabandista de plumas! Depois tivemos de ir até o escritório onde fizemos uma nova declaração de que tínhamos coisas de origem animal, o policial sempre dizendo que estava nos fazendo um favor de deixar fazer uma nova declaração, porque poderia ter nos aplicado uma multa cara.

Depois, no carro, ainda rimos muito, os argentinos ficavam nos chamando de contrabandistas e dizendo que o pior estava no saco de farinha que o policial deixou passar. Apesar de descontrairmos um pouco, claro que ficamos chateados com o ocorrido, pois podíamos realmente ter tomado uma multa por muito pouco, situação bem chata mesmo.

Enfim, logo depois chegamos a Coyhaique e já começamos a perceber porque a Carretera Austral é tão famosa. Aqui a paisagem já muda completamente, o verde predomina e grandes árvores margeiam a rodovia, os bosques às vezes são cortados por lagos cristalinos e ao fundo a cordilheira se mostra imponente, coberta com seu gelo eterno. A cidade era linda e estávamos felizes de estar ali. Nos despedimos dessa família tão querida que nos trouxe e ainda aguentou com bom humor nossa passagem desastrosa pela fronteira.

Chegada em Coyhaique

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