Tradição, frio e mate
o me reconhecer no frio e reconhecê-lo em mim, eu percebera que nos simbolizávamos mutuamente […]”. É com esse trecho de A Estética do Frio e ouvindo o álbum quase homônimo de Vitor Ramil é que escrevo esse post sobre traços culturais que muitas vezes não valorizamos e, digo mais, muitas vezes nem percebemos.
Dê o play em Ramilonga e vem refletir um pouco sobre isso também:
Enquanto viajávamos eu ainda não conhecia os álbuns (muito menos os textos) do Vitor e pouco conheço ainda hoje, mas já me considero um admirador dele e de suas obras, que sigo me aprofundando aos poucos. Ele é um músico, compositor e escritor gaúcho que teve algumas fases e transformações marcantes durante sua carreira. Uma delas foi justamente o vislumbre dessa estética do frio.
Essa estética retrata uma série de traços culturais e tradições das pessoas que vivem em ambientes onde o clima frio é predominante. Ele questionou-se sobre pequenas ações comuns entre as pessoas que vivem nesses ambientes e encontrou uma espécie de unidade, uma identidade que não tinha a ver com fronteiras políticas ou com escolhas propriamente ditas. Ele enxergou que muitas dessas atitudes eram influenciadas pelo clima.
O convívio em um certo nível de isolamento, o aconchego da simplicidade e o contato mais íntimo com a natureza, esses são alguns dos pontos que podem ser destacados desse “estilo de vida”. Vitor teve essa percepção quando estava no Rio de Janeiro, em meio ao calor, festas de carnaval e uma porção de coisas com as quais ele não se identificava. Um dos primeiros questionamentos foi o fato dessa não existência de uma unidade de identidade no Brasil. Obviamente, pelo fato do Brasil ser um país tão grande isso era de se esperar, mas essa percepção ficou mais aguçada quando começamos a utilizar o clima como parâmetro para “separar” essas regiões.
Enquanto estávamos viajando também tivemos um pouco desse mesmo sentimento. Tínhamos uma espécie de cumplicidade com várias pessoas que conhecemos, sentíamos que as ideias fluíam bem, que algumas dessas pessoas tinham um estilo de vida muito parecido com o que tínhamos ou com o que almejávamos e isso não ocorria quando comparávamos com alguns encontros que tínhamos com outras pessoas do nosso próprio país. Agora paramos para fazer essa mesma análise, que na verdade vivemos num clima muito mais parecido com os lugares que visitamos do que com o resto do Brasil.
E essa diferença de clima dá origem à uma das tradições mais marcantes que encontramos durante a viagem: o mate. O nosso conhecido chimarrão foi visto em praticamente todas as cidades que visitamos e se fez presente nos trekkings mais longos, nas casas dos couch’s, nos holstels e em vários outros lugares inusitados. Apesar das diferenças no preparo se comparado ao nosso chimarrão, o mate que nos era servido lá também era carregado de história e tradição.
Sempre que as rodas de mate eram formadas, boas histórias vinham a tona, o contato entre as pessoas se intensificava, estávamos mais presentes e aproveitando mais daquele momento. Antes da viagem não tínhamos essa visão sobre o chimarrão daqui, tanto que o tomávamos muito esporadicamente, mas durante a viagem esse tradicionalismo deu um valor especial ao ato, coisa que não conseguíamos entender ou enxergar aqui. Repare que não estou dizendo que o mate de lá é melhor do que o mate daqui, mas de alguma forma foi preciso esse toque especial da viagem para que pudéssemos valorizar a tradição que temos aqui, da mesma forma que passamos a valorizar a nossa própria casa quando retornamos por termos sentido tanto a sua falta.
Enfim, esse foi só um pequeno devaneio, uma reflexão sobre algumas ideias com as quais me identifiquei muito enquanto fui lendo e discutindo sobre. A estética do frio em si acredito que englobe muito mais do que essa pequena pincelada superficial que cito aqui no post e com certeza a cultura do mate é muito mais complexa do que eu consegui perceber até então. E eu adoraria seguir refletindo sobre isso, então se você tiver alguma opinião sobre isso os comentários estão aí, vamos conversando.